Capítulo 33 - Vivendo o sonho

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Muito tempo passou desde a última vez que aquele telefone encardido tocou, “quem ainda usa telefone fixo hoje em dia?”, ele lembrou que alguma vagabunda tinha dito em alguma noite onde ele não lembra como chegou em casa e nem quem ela era... mas ele lembra da frase, sentia-se velho apesar de não ter atingido os 40 sua face cansada, cabelos grisalhos e cicatrizes diziam 70 ou mais, e as dores, essas sim diziam que ele já deveria ter sido enterrado a um tempo. Mas o telefone ainda tocava, aquele TRIIIIM TRIIIIIM que parecia um prego entrando no cérebro de ressaca de Hannow, com praticamente nenhuma vontade ele estica o braço e solta um grave e mal humorado:

- Quem é, porra?

Era tanta estática naquele telefone velho que mal podia-se distinguir se era uma voz masculina ou feminina do outro lado, porém sem nenhum rodeio e em meio a tanto barulho podia se ouvir a frase:

- Preciso falar com você, sabe onde me encontrar. - Depois disso... somente ruído

Hannow já não demonstrava emoções sinceras a alguns anos, e não seria ali, sozinho, naquele quarto fodido que ele o faria, mas se tivesse alguém lá teria percebido que os olhos caídos de puta-do-dia-seguinte que ele carregava deram lugar a um semblante que misturava preocupação com euforia.

Muita coisa aconteceu desde o último relato sobre as atividades de Hannow, dentre grupos de jovens ocultistas retardados a morte súbita generalizada ele andou um pouco parado, um exorcismo aqui outro ali, um demônio ou outro para expulsar ou fechar acordo, alguns sacrifícios sem muita relevância, a verdade era que Hannow estava colhendo os frutos de tudo o que tinha feito nos seus anos como “ocultista fodão”, e provavelmente todas as maldições que tinham sido rogadas a ele ao menos arranhavam a sua velha lataria, e que lataria de bosta, qualquer enfermeiro num dia de paciência diria pra Hannow que ele deveria se internar, mas ao contrário disso o que ele mais tinha feito era fechar bares e gastar dinheiro com vagabundas que ele nem sabia se eram reais ou súcubos dentro de sua cabeça embriagada. E se você também está se perguntando, sim, ele ainda segue fumando quase que compulsivamente o seu cigarro mentolado, não porque ele é viciado mas nas palavras dele:

- Se eu deveria parar de fumar porque isso estraga a minha vida, você então não deveria nem sair da cama.

Um longo banho num banheiro que provavelmente causaria doenças de pele em pessoas normais, uma olhada no espelho que mais parecia um mosaico de tão arrebentado e a frase “Eu deveria fazer a barba”, ficou no ar e se dissipou assim como a fumaça de seu cigarro que assim como a barba permaneceram onde estavam, o bom e clássico conjunto de calça social surrada com blusão amassado e sapato que implorava por graxa a uns anos e ele estava pronto para encontrar o que quer que estivesse do outro lado da linha telefônica, mas assim como sua carteira que era essencial confirmar se estava no bolso antes de sair, Hannow tateou o bolso do blusão em busca de seu isqueiro, talvez a única coisa de valor que existisse naquele chiqueiro que ele chamava de casa, uma peça em ouro com detalhes pretos, de um modelo que já nem existe mais.

Enquanto apagava o cigarro em um copo que guardava um dedo de vodca quente Hannow procurava com os olhos o isqueiro pelo chão, e acredite, isso poderia se tornar uma tarefa bem complicada naquela zona toda, porém ao fundo ele vê o brilho de seu queridinho e levanta para pegá-lo.

- Então você estava aí, né, seu filho da puta. – Quando então a sua expressão brincalhona de quem fala com um animal de estimação volta a ficar séria, ao reparar que o cabo do telefone estava rasgado ao que parecia por mordidas de rato e já parecia fazer um bom tempo. Hannow enfia o seu isqueiro no bolso do blusão olha pro que ele chama de espelho e abrindo a porta pra sair solta um:

- É, tava demorando pra essa merda toda voltar...

Porta se fecha.

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