Capítulo 33 – O homem amarelo do morro.
Como esperado do Rio de Janeiro era um final de tarde quente, onde pessoas iam e vinham sem camisa e usando o mínimo de roupa possível, shorts que mais pareciam calcinhas chamavam a atenção naquele bairro onde motos iam e vinham sempre com dois inúteis vestindo o uniforme padrão de sempre, bermuda de estampa de gosto duvidoso, nenhuma camisa e algum tipo de óculos preso nas cabeças pintadas e raspadas, uma visão ruim porém comum daquele tipo de lugar.
Após algumas ladeiras, escadarias e becos que nenhum engenheiro conseguiria explicar como existem, Hannow chegou a um terreno vazio. Parecia servir de campinho de futebol para os moradores dali, apesar de ser sujo e desagradável. Estava tão alto no morro que a vista dali era espetacular. Não que Hannow tivesse reparado nela, mas ela existia, como um lembrete de que havia uma cidade bonita ao longe. Uma cidade que Hannow também conhecia por dentro, podre e corrupta, tão degradada quanto o morro onde se encontrava.
Ele estava cercado de imundície, e isso, sim, chamou sua atenção.
No fundo do "campinho", havia uma pequena casa mal-acabada, sem reboco nas paredes. As janelas e portas pareciam mal encaixadas, incapazes de impedir que alguém entrasse ou saísse, servindo apenas para bloquear o sol. Restos de vidro estavam cobertos por pedaços de jornal colados do lado de dentro. O telhado, feito de telhas de amianto pretas e mofadas, tinha buracos cobertos por lonas velhas e rasgadas.
Hannow parou diante da “porta” improvisada, acendeu um cigarro como quem faz hora antes de iniciar uma tarefa. Observou o monte de sacos pretos de lixo que exalavam um fedor insuportável de chorume. Soltou uma nuvem de fumaça, cuspiu de lado e, pensando "Vamos começar essa merda", bateu três vezes na porta.
Lá de dentro, ouviu-se um “Pode ir entrando” em uma voz masculina, não muito grossa, mas com um forte sotaque nordestino, provavelmente cearense. Apesar de não ser imponente, o tom tinha certa firmeza.
Ao entrar, Hannow percebeu que o interior da casa não era muito melhor que o exterior. Os jornais colados nas janelas, velhos e amarelados, tingiam a iluminação de um sépia sujo. A casa tinha três pequenos cômodos: um quarto, uma cozinha e um banheiro. Estranhamente, o banheiro não tinha porta, mas uma cortina imunda e semitransparente. A cozinha era separada da sala apenas por um portal sem portas ou cortinas.
Na cozinha, havia um fogão que parecia ter sido incendiado várias vezes e uma pia lotada de embalagens velhas de quentinhas, agora servindo de alimento para moscas e larvas. Um basculante, coberto de jornal, ostentava velas de sete dias e imagens que pareciam de Nossa Senhora no batente.
Na sala, um sofá de três lugares, velho e resgatado de algum lixão, contrastava com um tapete manchado de marrom ou vermelho — impossível definir pela iluminação. Havia também o que parecia ser uma cama de solteiro, coberta por um mosquiteiro improvisado com lona preta e grossa.
– Eu sabia que você viria – disse o homem com sotaque nordestino.
Era baixo, cerca de 1,69m, com um formato de cabeça achatado que chamava a atenção. Parecia que, além de traços nordestinos, sua cabeça havia sido "marretada" algumas vezes. Seu rosto tosco dava a impressão de uma tentativa frustrada de encher uma bola de futebol com cimento.
– Não é sempre que um merda como você usa uma conexão espiritual pra estragar meu happy hour – disse Hannow, acendendo outro cigarro e lançando um olhar para a cama esquisita na sala. – Como achei que você já estava morto, vim ter certeza de que não era mais um fantasma enchendo o saco.
O homem o interrompeu:
– Ô, Hannow, não pode fumar aqui dentro, não. Tu sabe – disse, apontando para as imagens religiosas no batente do basculante.
Hannow riu de canto:
– Também diziam que ninguém sobreviveria se fosse virado do avesso, e você tá aqui, não tá?
A fumaça do cigarro criou colunas de luz ao passar pelas frestas do telhado. O homem tentou fazer cara feia, mas seu rosto parecia incapaz de tal façanha. Desconversando, ele disse:
– Tenho algo pra te mostrar, e sei que vai gostar. – Caminhou em direção à cama coberta. – Mas já aviso: só te chamei porque ele me mostrou como. Parece que algo vai dar merda, e quero saber se é contigo ou como da última vez.
Hannow apagou o cigarro no tapete, que já não poderia ficar pior, e, sem paciência para papo, respondeu:
– Descobre logo essa merda, Copperfield.
O homem retirou a lona preta que cobria a cama como se puxasse uma cortina. A visão por baixo deveria, de fato, permanecer escondida.
Deitada ali estava algo que talvez tivesse sido uma mulher. Um seio a identificava como tal, mas a genitália já não estava mais lá. Faltava parte de um braço, as duas pernas estavam completamente quebradas, e um dos olhos era branco enquanto o outro estava vermelho de sangue. A cabeça, raspada, exibia cortes profundos. O sangue ao redor do corpo já estava seco, e as feridas pareciam ter sido mal costuradas ou cauterizadas de forma grotesca.
Hannow inclinou o corpo em direção à figura, soltou a fumaça do cigarro e perguntou calmamente:
– Ele ainda tá aí?
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