Capítulo 2 - A Foto

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A noite cai, o que antes era uma sala lotada de alunos elétricos loucos pra sair de lá se resume a uns dois gatos pingados fuçando fotologs de meninas bonitas as quais eles nunca conhecerão, em parte isso era bom, agora ele podia ficar sozinho com suas pesquisas e pensamentos, o curso estava vazio estava apenas cumprindo horário, mas dessa vez era diferente das outras semanas, era um sábado a noite que ele não estava imaginando em qual bar estaria em algumas horas ou em qual garota estaria beijando, essa noite ele sabia que teria que ter um encontro com alguém que não gostava nem um pouco do sábado a noite e muito menos de perguntas idiotas, mas essa era a única alternativa que ele tinha naquele momento.

O tempo pareceu voar na viagem de volta e em poucos minutos ele já estava em sua casa, intocada exatamente como a tinha deixado, não que isso fosse bom, mas refletia o quão familiar e fraternal sua vida era, ao olhar pra parede um rosto desenhado com um balão escrito “Oi, como foi seu dia?”, ele simplesmente olha e diz, “péssimo, prefiro não falar sobre isso” e está terminado mais um diálogo saudável. Ele olha mais uma vez no celular pra ter certeza de que não está perdendo seu sagrado sábado à noite, a esperança de uma noite normal se vai na primeira olhada, ele abre seu frigobar e de lá tira uma garrafa de vodka pela metade, acende um cigarro e de uma porta em seu armário pega alguns pedaços do que parece ser um giz grosso mas extremamente poroso, liga o monitor do velho computador e abre alguns arquivos em PDF, faz algumas anotações em pedaços de papel onde outras anotações já tinham sido feitas, dá um gole longo na vodka e percebe que o cigarro já estava a queimar seus dedos, se livra do filtro num cinzeiro que já deveria ter sido esvaziado a alguns dias, mas isso não é importante agora talvez amanhã, ele desliga o monitor e analisa as anotações dá uma boa olhada no céu e faz uma cara do tipo “droga, será que vai dar” tira o blusão que usou o dia inteiro acende outro cigarro e senta-se no chão...

“eu devia ter uma assistente linda e burra agora pra perguntar o que eu estou fazendo” pensa ele em silêncio esboçando o que parece um sorriso de canto de boca, seus pensamentos dizem coisas como “e se você morrer?”, “quanto tempo será que demoram pra encontrar seu corpo?”, “vai ter alguém além de você no seu enterro?”, agora sim ele sorri e diz baixinho quase inaudível

- Pode esperar? eu ainda nem tracei o círculo...

Nesse momento uma queda de luz faz com que o quarto se torne num alaranjado envelhecido que não ajuda em nada para melhorar a sua aparência, ele traça um círculo feioso como se nada estivesse acontecendo, dá uma boa olhada em suas anotações e começa a desenhar uns rabiscos que mais parecem algum tipo de obra de arte infantil dá uma golada na vodka e apaga o cigarro, apaga a luz e sentado na frente de sua obra de arte esquisita e começa a entoar alguns dizeres que para muitos pareceria o lamento de uma velha moribunda. Ele mantém seus olhos fechados seu corpo imóvel como uma rocha em sua pele podem ser percebidas séries e mais séries de arrepios, todos lineares e seguindo numa direção como se milhões de insetos invisíveis andassem em fila sobre suas costas, aquela sensação não era das mais agradáveis mas fazia parte daquilo, ele sabia disso por isso a vodka ao seu lado, uma forma de suportar melhor aquilo.

Ao se virar e abrir os olhos pra dar mais um gole ele percebe que isso não será possível, o que antes era o seu desorganizado quarto agora é um salão de mármore verde com colunas tão altas que fazem sua cabeça girar ao tentar encontrar sua extremidade, a vodka não está lá, nem o seu maço de cigarros, e a sua frente o que era um desenho no chão agora brilha uma fumaça acinzentada que se transforma num pilar que cresce como um tronco de árvore,

nessa fumaça pode-se ver milhões senão bilhões de olhos vermelhos e brilhantes como rubis com íris negras e opacas, tais olhos se multiplicam até encontrar o teto do salão formando uma cena grotesca de massa escura com olhos que não parece nem um pouco amigável. Ao ver aquela criatura grotesca a sua frente ele ergue a cabeça para poder olhar nos maiores olhos da criatura, esses se encontram a o que seriam uns 2 metros acima da cabeça dele. Com uma feição séria duramente ele pergunta.

- Cadê o meu maço de cigarros e a minha vodka?

Uma gargalhada vindo de todas as direções do salão pode ser escutada, uma gargalhada zombeteira porém com um certo tom de calma.

-Então, Hannow, o que lhe traz ao meu reino assim de forma tão desleixada e imprudente?

Num tom meio que aborrecido e ainda olhando ao redor Hannow responde:

- Pelo visto não terei minha bebida e meus cigarros de volta, não é? Você sabe que não converso bem sem meu cigarro ainda mais quando o assunto é tenso...

A criatura move sua massa corpórea como um saco de vermes e solta uma gargalhada ainda pior que a primeira e em tom ameaçador diz:

- Seu moleque imprudente, eu já deveria ter acabado com você, mas sei bem que você não teria feito essa invocação sem o triângulo e sem o SEU círculo de proteção sem estar com alguma carta na manga, sabe bem que me ofende ao me chamar nesse horário e no sabath, então diga logo o que procura antes que eu reconsidere isso.

- Hoje vi algo, uma mensagem me foi enviada de algum outro plano por alguma entidade que queria que eu visse, e como você sabe de tudo o que acontece por essas bandas pensei que pudesse me ajudar a esclarecer isso.

A criatura se locomove e fica a poucos centímetros de Hannow, um dos olhos olhando fixo para dentro de seu olho, ela dá uma leve afastada e diz:

- Não sei nada sobre isso que você viu, não é nada antigo e nem é desse plano ou dessa legião, perguntou ao espírito errado meu jovem.

Soltando ar dos pulmões como em ar de decepção Hannow diz:

- Isso não ajuda muito, olhudo... Mas já é uma informação, agora vou indo.

A criatura solta mais uma gargalhada, dessa vez num tom triunfal as paredes chegam a tremer e ela grita:

- Seu insolente! Você vem aqui me obriga a me mostrar a você, me faz perguntas e acha que poderá ir embora assim? Você não acendeu nenhuma vela pra iluminar o seu retorno e nem se protegeu, seu mortal idiota agora você vai ser o meu bichinho de estimação até que eu enjoe de você.

Estático e sem nem ao menos piscar, Hannow abre um sorriso largo, como uma criança que é desafiada pela “tia” mais rabugenta da escola.

-Você pode saber muita coisa do que aconteceu, olhudo, e eu adoraria ficar a noite toda papeando com você, mas como isso terminou antes do que eu esperava, você sumiu com meus cigarros, acho que vou ter que procurar em outro lugar, não se sinta traído, ok lembra que você mora aqui entre o isqueiro e o maço de cigarros?

Hannow dá um leve tapinha no peito ao falar isso e logo um desenho levemente brilhoso surge ali, os olhos da criatura se arregalam e só se ouve uma raivoso “NÃÃÃÃÃO...” sumir aos poucos na escuridão que toma a visão de Hannow.

Ele abre seus olhos, está quase na mesma posição de quando começou o ritual, o desenho a sua frente está todo borrado e bagunçado, porém as bordas circulares intactas, ele olha pro lado procurando pela garrafa de vodka, e pra sua decepção a encontra deitada quase vazia e o liquido derramado sobre seu maço de cigarros que se desmancha misturado ao álcool... Ele se levanta pega sua carteira e chaves, recoloca seu blusão e fechando a porta ao sair olha pra garrafa vazia e seus cigarros destruídos e sussurra de forma quase inaudível “DANTALION, seu escroto...”.

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